A importância do cabelo vai além da estética. Ele ajuda a contar a história da humanidade, e também diz muito sobre cada um de nós. No Egito Antigo, por exemplo, fios longos eram símbolos de nobreza; já na Segunda Guerra Mundial, as mulheres tinham a cabeça raspada quando descobriam que elas tinham se envolvido com soldados do exército. Passados tantos séculos, costumes e modas, fato é que o cabelo continua sendo um ícone de força e masculinidade para os homens e de feminilidade para a mulher, por isso sua perda durante a quimioterapia é um duro golpe na autoestima. Mas, há ótimas alternativas para enfrentar a queda dos fios durante esse período.

Vou perder meu cabelo? Essa costuma ser a primeira pergunta que uma mulher que tem câncer faz ao descobrir que precisa encarar a quimioterapia. E isso não tem nada a ver com futilidade. “O cabelo é uma característica que ajuda a pessoa a se reconhecer e a ser vista como indivíduo. Portanto, perder os fios é como perder a própria identidade, deixar de ser quem se é”, resume a psico-oncologista Rachel Righini. Concorda com ela o oncologista clínico Luís Eduardo Silva Moz. “Muitas vezes, a mulher já está com o emocional abalado por ter passado pela mastectomia – retirada da mama, um símbolo importante do feminino – e, então, ela sente uma dupla mutilação ao se ver perdendo outro ícone de sua feminilidade, o cabelo. Não é fácil”, reconhece ele, que conta que o impacto da raspagem da cabeça é muito forte para a mulher, claro, mas ver seus tufos caindo aos montes é algo ainda mais aterrorizante.

Saber o que está por vir é um modo de se “treinar” para que o susto seja um pouco menor. Pensando nisso é que alguns hospitais oferecem a pré-químio, uma espécie de aula dada antes de a pessoa começar o tratamento. Nesse encontro, ela fica sabendo como a medicação vai agir em seu corpo e em sua aparência e entende a importância de contar com o acompanhamento psicológico e a ajuda de familiares e amigos para reduzir a turbulência do período.

O que passa na cabeça?

Diferente do que se pensa, ficar careca não é uma regra no câncer. Afinal, há casos, como o câncer de mama, que podem ser tratados só com cirurgia e outros que a associam com radioterapia, que é direcionada apenas à região da mama e da axila. “Essa confusão acontece porque o tratamento-padrão para o câncer de mama é a quimioterapia vermelha, que ataca todas as células do corpo, inclusive as do folículo piloso, por vezes até alterando o DNA do cabelo. Isso explica por que entre sete e quatorze dias do início da terapia os fios começam a cair, voltam a crescer de duas a três semanas depois que a medicação é suspensa e por que eles nascem com textura, forma e até cor diferentes”, diz o oncologista Luís Eduardo Silva Moz.

Com base nisso é que alguns médicos sugerem que a paciente não raspe a cabeça logo de cara, mas que faça um corte mais curto e só pense em raspar depois da segunda semana de tratamento. Ficar com os cabelos por mais esses dez a quinze dias pode fazer muita diferença na autoestima. E, pensando em prolongar esse período e até em preservar os fios, há quem use touca refrigerada durante a infusão de quimioterapia. “Pela minha experiência, acredito que o resultado varia conforme a sensibilidade de cada pessoa à medicação, e à resistência do cabelo, porque já tive pacientes que conseguiram manter cerca de 50% dos fios e outros que perderam 100% deles”, compara o especialista. Ele diz que ainda existe uma touca de LED, com a proposta de estimular o crescimento dos fios. Mas é preciso ter cautela porque, dependendo da intensidade da energia emitida, ela pode prejudicar o couro cabeludo, deixá-lo fino ou ressecado durante a quimioterapia. Por isso, é fundamental protegê-lo com hidratante neutro e filtro solar e esperar pelo menos três meses depois da finalização do tratamento para pintar os novos fios.

Em busca da peruca ideal

A psico-oncologista Rachel Righini conta que a maioria das pacientes não consegue assumir a careca. “E nem precisam, porque há muitos recursos para ajudá-las a não se sentir tão fragilizadas nesse momento. A peruca é um dos acessórios mais usados. Na sequência vem o lenço, o chapéu e uma tiara de tecido”, diz. Na hora de escolher a peruca, é comum focar na cor, no corte e na textura dos fios e acabar esquecendo do mais importante: a estrutura do acessório e se vai suportar usá-lo. “Como a queda do cabelo e a quimioterapia deixam o couro cabeludo exposto e sensível, a peça que precisa ser colada é mau negócio, enquanto a que tem elástico para prender na região da nuca não machuca nem aparece, mesmo que você vire de cabeça para baixo”, garante a enfermeira Talita Rodrigues Mattos, que está em tratamento contra o câncer de mama. Ela conta que a peruca com forro de tecido esquenta e fica insuportável de usar durante os fogachos de quem entra em menopausa por causa do tratamento; assim, é melhor escolher uma de tela ou a chamada lace, feita com uma película que parece pele. O importante é experimentar, contar com a consultoria de um especialista e ver se você se adapta à peça. Aí, sim, escolher o modelo que tem mais a ver com você.

Lenço: você vai se amarrar!

Turbante, tiara, coroa, arrematado com um laço, estilo bandana: há diversas formas de usar o lenço na cabeça. E, muito mais do que esconder a careca, ao testar diferentes amarrações (na internet há diversos tutoriais que ensinam formas criativas de usar o lenço), a pessoa passa pelo tratamento de maneira mais suave e experimenta outros estilos enquanto o cabelo volta a crescer. Para ter uma ideia da variação: nós acima da cabeça deixam o visual mais romântico e turbantes devem ser usados por mulheres que não temem ser notadas. A dica que vale para todos os casos é caprichar na amarração e deixar o lenço firme, para que não fique com um ar desleixado.

“Sou enfermeira e estava terminando meu estágio no setor de oncologia quando descobri que estava com câncer de mama. Como não queria perder meu cabelo por causa da quimioterapia, decidi cortá-lo e doá-lo para que ele fizesse a felicidade de outra mulher. Mas, antes de passar a tesoura, saí para comprar uma peruca idêntica aos meus fios, que batiam na cintura e tinham as pontas queimadas pelo sol, já que amo praia.
Isso foi fundamental para que, mesmo fragilizada pelo tratamento, eu não me esquecesse de quem sou nem tivesse de encarar o olhar de pena das pessoas.
Digo, sem exagero, que a peruca foi minha armadura de aço durante todo o tratamento, porque graças a ela eu era só mais uma pessoa na multidão.”

Talita Rodrigues Mattos, 32 anos, fez cirurgia de retirada de um quadrante do seio e hoje aposta em lenços para se sentir ainda mais bonita enquanto espera o cabelo crescer.