Durante a quimioterapia, não apenas os cabelos se vão; em grande parte dos casos, a mulher tem de se acostumar com sua imagem bem diferente no espelho: sem sobrancelhas, sem cílios, além da falta de pelos em todo o corpo. No caso dos pelos do corpo – como os das axilas, das pernas, da virilha e do púbis –, pode até parecer um presente não ter mais de se preocupar com a depilação durante o tratamento do câncer de mama. Mas não é bem assim. Uma coisa é a mulher decidir tirar seus fios por se sentir incomodada com eles, outra bem diferente é vê-los sumirem sem sua permissão. Esse fator pode impactar na autoestima e trazer a sensação de perda de controle sobre o próprio corpo e, algumas vezes, da própria vida. Claro que esse medo pode ser contornado ao se tomar consciência de que, assim que terminar a quimioterapia, os pelos voltarão a crescer. Desse modo, a pessoa retomará o poder da escolha de ficar com eles ou eliminá-los. Para que você fique mais tranquila, os especialistas ensinam os caminhos para lidar melhor com mais essa etapa de transformações no corpo e na imagem.

Em nossa cultura, os pelos corporais são um tormento para boa parte das mulheres. E nem precisa de pesquisa para afirmar isso, basta pensar na enorme variedade de métodos depilatórios disponíveis em clínicas de estética, consultórios dermatológicos e também para usar em casa. Tem laser, luz intensa pulsada, eletrólise, creme depilatório, pinça, depilador elétrico, linha egípcia, aparelho descartável, aparador para nariz e orelhas, cera quente, fria, em folha, roll-on, entre outros. Diante disso, surge a pergunta: por que, então, quem tem câncer sofre tanto com a perda súbita ou gradual dos pelos durante a quimioterapia? A resposta está numa frase pequena, porém poderosa e cheia de significado em tempos de empoderamento feminino: liberdade de escolha e autonomia sobre o próprio corpo, ou a perda de ambas em função de enfrentar o câncer, uma condição que definitivamente não foi uma opção.

Há quem olhe a situação de fora e diga que essa é uma questão menor, pensando que o que está em jogo é manter-se viva e saudável. Ou há quem acredite que “apenas” a perda de cabelo ou, no caso do câncer de mama, a retirada da mama assusta e derruba sua autoestima. Não há como fazer esse tipo de julgamento. O que para algumas pessoas não tem a menor importância, para outras afeta, sim, e muito, a disposição e o ânimo para seguir com o tratamento. Até porque o que ninguém quer é ficar com aparência de doente. A dermatologista Maura Bourroul , especialista em câncer, concorda. “Mesmo em meio a tantas alterações internas provocadas pela quimioterapia, qualquer modificação externa, refletida no espelho e nos olhos de piedade das pessoas, tende a ser vista como um atestado de fragilidade, o que pode impactar de maneira negativa na adesão ao tratamento e na crença de que não vale a pena lutar contra o câncer. Por isso é tão importante esclarecer para essa mulher que a queda de seus pelos corporais é esperada e que ela será temporária, já que eles voltarão a crescer algumas semanas depois de terminar a quimioterapia e ela poderá decidir o que bem quiser fazer com eles”, diz ela.

A médica conta que, assim como acontece com o cabelo, os novos pelos podem surgir diferentes de antes, já que a quimioterapia pode danificar as células produtoras dos fios e da pigmentação deles. “Não dá para prever o que vai acontecer, mas às vezes, e principalmente no início, o pelo pode reaparecer mais grosso ou mais fino, crespo, branco, em menor quantidade. E, depois, com o tempo, recuperar (ou não) sua estrutura e coloração normais. Tudo varia caso a caso”, completa a dermatologista Juliana Toma, especialista em oncologia cutânea pelo Hospital Sírio Libanês.

Pele lisinha e sensível

Uma das funções dos pelos é proteger a pele, já que eles fazem uma barreira física sobre o corpo, diminuindo os efeitos nocivos da radiação solar, do vento e do frio, por exemplo. Por isso, na ausência desses fios é preciso redobrar os cuidados com a proteção, que incluem usar filtro solar, reaplicado a cada duas horas, e também aplicar um bom hidratante. Afinal, ainda tem o esquema quimioterápico causando um ressecamento intenso, que deixa a pele ainda mais suscetível aos danos externos e às situações do dia a dia, como a água morna do chuveiro e a fricção com a roupa. “Por conta dessa sensibilidade é que, se a pessoa quiser eliminar um ou outro pelinho que não caiu durante a quimioterapia, para que a região fique uniforme, ela deve fazer a remoção da maneira mais delicada possível. Na prática, uma pinça ou um depilador descartável são mais aconselháveis do que cera ou creme depilatório, que podem provocar queimadura e irritação”, declara a dermatologista Maura Bourroul. Passado o período de tratamento e com a pele completamente recuperada, todas as técnicas de depilação estão liberadas, inclusive a feita com laser e luz intensa pulsada.

Cílios e sobrancelhas: um caso à parte

“Como comprei uma peruca idêntica ao meu cabelo antes de ele começar a cair com a quimioterapia, não senti tanto o fato de ficar careca quanto o de perder minhas sobrancelhas e, mais especificamente, meus cílios. É que sou daquele tipo de vaidosa que se sente nua sem máscara para cílios, sabe? Para amenizar a ausência deles e o meu sofrimento, eu caprichava ainda mais na maquiagem dos olhos”, conta a enfermeira Talita Rodrigues Mattos, 32 anos, que fez cirurgia de retirada de um quadrante da mama devido ao câncer de mama e ainda segue com o tratamento.

Quando ela terminar o ciclo de quimioterapia, pode ser que seus cílios demorem a voltar à forma de antes, ficando mais curtos e com algumas falhas por um tempo. O mesmo tende a acontecer com as sobrancelhas, que ainda podem ficar com uns fios rebeldes, crescendo para lados diferentes e dando a impressão de que estão arrepiados e desgrenhados.

Para contornar o aspecto bagunçado, enquanto os fios das sobrancelhas crescem e também para disfarçar as falhas, uma boa opção é a micropigmentação, em que a injeção de tinta na camada superficial da pele dura entre seis meses e dois anos. Nesse caso, é bom lembrar que a indicação é fazer depois que terminarem as sessões de quimioterapia e o médico liberar para o procedimento. Já a maquiagem feita com um lápis específico pode ser uma saída mesmo durante a químio. Uma dica: o efeito fica mais natural se você começar a correção do centro em direção ao fim da sobrancelha, fazendo traços finíssimos e delicados da raiz à ponta externa do fio, sempre respeitando o sentido de crescimento dos pelos. Deixe o canto interno da sobrancelha por último, para não correr o risco de carregá-lo demais e ficar com o olhar “pesado”. Quando quiser se divertir, a sugestão é apostar na moda das pomadas coloridas, que dão a impressão de que as sobrancelhas foram pintadas com sombras. O produto sai fácil com demaquilante.

No caso dos cílios, eles podem ser valorizados com a chamada extensão de cílios. A técnica, que virou febre no Brasil, tem as vantagens de dispensar o uso de máscara para cílios e de disfarçar estrabismo, pálpebras caídas e até um olho que é maior ou mais aberto do que o outro. Diferentemente dos cílios postiços, que duram apenas algumas horas, a extensão resiste por três a quatro semanas, quando é preciso reposicionar os tufos sintéticos e repor os que descolaram da raiz dos cílios naturais. “Como a gente pode colar de um até qinze tufos em cada cílio, conseguimos preencher falhas, alongar fios que estão curtos e fininhos e dar um belo volume à piscada”, garante a lash designer e educadora Polly Leão. Apesar de o procedimento ser inofensivo, se a pessoa ainda estiver em tratamento quimioterápico, é sempre bom ter a autorização do médico.