Espiritualidade muitas vezes é confundida com religião. Natural, porque pode até ser, mas não há uma ligação restrita e obrigatória entre as duas. Fato é que a espiritualidade é baseada naquilo que você acredita e que vai além da sua força de vontade, do seu poder racional de mudar as coisas. Ter fé é sinônimo de não duvidar. Assim, deixar que sua espiritualidade venha à tona, principalmente durante um momento desafiador como o enfrentamento do câncer, pode ajudar e muito no seu equilíbrio emocional, além de reforçar a confiança de que a vida vale a pena, o que implica em aderir ao tratamento oncológico e seguir adiante, mesmo com seus efeitos colaterais. Diante disso, que tal pensar sobre como se (re)conectar com a sua espiritualidade?

De maneira bastante resumida, podemos dizer que espiritualidade tem a ver com transcender o pessoal, o individual, ou seja, ir além de si mesma. E isso no sentido mais amplo, tanto que há várias formas de desenvolver a própria espiritualidade: há quem faça isso por meio da religião, propriamente dita, mas também através da arte, do contato com a natureza e com práticas particulares, como meditação, dança e música. A dedicação à família, aos amigos e até a quem não conhece, como num trabalho voluntário, por exemplo, pode ajudar a paciente a mudar o foco da doença e passar a pensar a respeito do que acontece à sua volta e a acreditar que cada momento vivido vale a pena e pode fazer a diferença.

Por isso é tão comum ouvir histórias de quem transcendeu o eu a partir de uma grande dificuldade na vida – caso de quem enfrenta o diagnóstico e o tratamento oncológico. Claro que chegar a esse ponto não é fácil, já que diante das adversidades, geralmente a primeira coisa que se pensa é ‘não vou dar conta’; mas quando tudo parece perdido surge uma força interior ou uma força cósmica (outros nomes dados à nossa espiritualidade) que indica que a solução pode estar além de nós mesmos, e algo nos impulsiona a sair nessa busca. Esse algo se chama fé.

Desejo de viver

Para o teólogo Leonardo Boff, a espiritualidade potencializa energias altamente positivas próprias do ser humano, como o amor à vida, o perdão, a vontade de se abrir aos outros, de estabelecer laços de fraternidade, de solidariedade e de confiança – no médico, no enfermeiro, no psico-oncologista, no cuidador… Faz todo sentido e até já foi comprovado em pesquisas científicas, que apontaram a fé como um dos fatores para a maior adesão a tratamentos para os mais diferentes males, câncer inclusive. “Isso ajuda a entender ainda que a espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós uma mudança. E mudanças interiores são capazes de dar um novo sentido à nossa existência ao nos abrir para novas experiências rumo ao autoconhecimento, algo que muitas vezes a gente não teve tempo, interesse ou coragem de fazer. E como é bom se descobrir capaz de acreditar em algo além de nós mesmos e de saber que dentro da gente também tem algo que se faz sagrado”, conclui a psicóloga Sirlene Ferreira.

Encontrar um significado maior

Uma das perguntas mais comuns de quem recebe o diagnóstico de câncer é “Porque isso aconteceu comigo?” Quando se passa por um trauma, por uma doença grave ou por uma grande perda, surgem a dor, o medo, os questionamentos sobre a vida, o sofrimento. “Trabalhar com a espiritualidade permite muitas vezes que se encontre um novo significado daquilo que se está vivendo”, diz o oncologista, Felipe Moraes Toledo Pereira. A atenção à espiritualidade – sem se restringir ou impor algum tipo de crença ou religião – inclusive pela equipe médica treinada para dar espaço para que ela se manifeste, consegue dar essa resposta para muita gente, que ao acessar sua espiritualidade acaba encontrando um propósito, uma razão, para tudo que está vivendo. O ideal é que a equipe de saúde seja a facilitadora do acesso do paciente ao que é considerado sagrado para seus pacientes.

Parte do tratamento

A valorização da espiritualidade está ganhando espaço em centros oncológicos, pois o estímulo para que ela se manifeste, nas suas mais variadas formas, tem mostrado muitos benefícios aos pacientes, como diminuição de índices depressão, maior controle da ansiedade e mais comprometimento com o tratamento. É interessante perceber que mesmo quem não tem uma religião consegue trabalhar sua espiritualidade. Vários hospitais e centros oncológicos, como o HC4, unidade de cuidados paliativos do Instituto Nacional do Câncer, no Rio de Janeiro, e o Hospital do Amor, em Barretos, São Paulo, construíram e reservaram locais específicos para que as pessoas – pacientes e familiares – possam fazer essa conexão com sua espiritualidade, de forma livre e prazerosa. No final das contas, o maior ganho com a prática da fé é dar espaço para acessar a força, a coragem e a esperança, que existe em cada pessoa e em todo o universo. É uma forma de buscar respostas para dúvidas que levam ao sofrimento e uma maneira de enfrentar essas questões de modo mais ativo, altivo e resiliente, obtendo melhores resultados.