Após a retirada da mama, a maioria das mulheres deseja recuperar, além do volume perdido do seio, obtido por meio da cirurgia plástica restauradora, o desenho da aréola e do mamilo. Assim elas conseguem se olhar no espelho e se sentir completas. Técnicas modernas e seguras de micropigmentação geram ótimos resultados para redesenhar a aréola e o mamilo. Já as tatuagens são bons recursos para disfarçar ou ressignificar as cicatrizes da retirada de pele e da musculatura das costas e da barriga. Esses toques especiais ajudam a mulher a se sentir novamente bonita, plena e mais à vontade com seu corpo e sua sexualidade. Isso explica por que a micropigmentação e a tatuagem extrapolam o efeito estético do desenho para simbolizar a virada de página, o fim de um processo doloroso e o início de uma nova etapa da vida.

“Cicatrizes físicas podem produzir marcas profundas.” A frase do mastologista Silvio Bromberg ajuda a entender por que muitas mulheres buscam formas de ressignificar a aparência após passarem pela mastectomia (retirada da mama). Trata-se de uma escolha pessoal. Por isso há quem prefira passar por esse processo recuperando a beleza do corpo de uma maneira que a deixe o mais próximo possível do que era antes do câncer – ou até melhor! –, combinando a colocação de prótese de silicone com a micropigmentação quando a aréola e o mamilo tiverem de ser extraídos junto com o seio. “Esse jeito de pigmentar a pele, que é bastante usado para refazer sobrancelhas que caíram durante a quimioterapia, vem sendo aprimorado de tal maneira que hoje existem técnicas e uma variedade enorme de pigmentos que permitem imprimir um realismo fantástico aos desenhos. É o caso da técnica em 3D, que faz uma projeção do bico usando o princípio de sombra e luz”, conta Ronaldo Coelho, que é micropigmentador com mais de 22 anos de experiência nessa arte. “Muitas vezes os profissionais precisam passar um cotonete sobre o mamilo micropigmentado para provar que seu volume é puro efeito realista dado pela terceira dimensão”, comemora a professora Lu Zambrano, especialista em micropigmentação paramédica, que, a pedido do mastologista com quem trabalha, utiliza apenas pigmentos orgânicos, que são livres de metais pesados. “Eles são mais seguros em termos de saúde para quem está com o organismo sensível por causa dos tratamentos oncológicos”, esclarece.

Um processo delicado com final feliz

A micropigmentação só pode ser feita com a autorização do médico, o que acontece entre seis e doze meses após a reconstrução mamária. Geralmente, a micropigmentação leva cerca de duas horas para ser feita. Sim, o processo que demanda inúmeras picadas de agulha provoca um pouco de dor em uma intensidade que varia de pessoa para pessoa. Entretanto os especialistas avisam que é uma dor suportável, uma vez que aplica-se creme anestésico no local. Nos casos de mastectomia, a pessoa praticamente não sente nada, garantem os técnicos, porque a região perde a sensibilidade em consequência da cirurgia. E os resultados duram cerca de dois anos. “Depois de seis a sete dias, o tom aplicado descama, e os fluidos que saem junto com essa casquinha fazem o desenho original parecer bem mais escuro do que a cópia. E é bom que seja assim, porque, ao trabalhar dentro do conceito de que menos é mais, o profissional faz a pigmentação um pouco mais clara para depois, na hora do retoque, conseguir chegar ao tom mais próximo possível da mama usada como referência. É nessa hora que a mulher se sente muito feliz e realizada”, conta Ronaldo Coelho.

Outra boa notícia dada pelo especialista é que hoje existem todos os pigmentos necessários para atender de maneira satisfatória às tantas variedades de tom de pele encontradas no Brasil. “Com isso, além do trabalho de desenho propriamente dito, conseguimos um efeito artístico cheio de possibilidades, que inclui até mesmo modificar a cor da aréola natural quando a mulher não está satisfeita e, em casos de mastectomia unilateral, fazer o espelhamento das mamas para produzir uma nova aréola ou parte dela baseando-se na outra que não foi removida na cirurgia. Seja qual for o caso, a mulher participa de todo o planejamento. Ela acompanha todas as marcações que fazemos no seio. Aliás, é importante se certificar de que a marcação seja feita sempre com a pessoa em pé, para que a mama caia naturalmente pela força da gravidade, garantindo, assim, a simetria e a harmonia total entre os seios”, completa Ronaldo Coelho. “Ao se olhar no espelho, no fim do trabalho, pelo menos nove de cada dez mulheres choram de emoção e alívio por voltarem a se sentir completas. O que explica inclusive por que os médicos dizem que a micropigmentação é a cereja do bolo. Concordo totalmente com eles”, afirma.

“Conheço muitas mulheres que, depois da mastectomia, só quiseram recuperar o volume da mama, sem sequer realizar a simetria dos seios, e ficaram muito satisfeitas com isso. Já eu ainda me sentia incompleta mesmo depois de ter passado por três reconstruções para reverter a retirada total do seio direito, que exigiu inclusive a extração de pele e musculatura das minhas costas. Como eu só conseguiria voltar a me sentir inteira se recuperasse a aparência que tinha antes do diagnóstico de câncer, recebido aos 30 anos, decidi fazer uma tatuagem sobre as cicatrizes das costas. Ficou perfeita! Já a aréola e o bico até poderiam ser recriados por meio de mais uma cirurgia para captar material de outra parte do corpo, mas eu não queria passar por nada invasivo. Daí a feliz ideia de partir para a micropigmentação, que foi a ‘cereja do bolo’ para eu voltar a me enxergar inteira no espelho.”

Joana Jeker dos Anjos é empreendedora social, ativista na causa do câncer, autora do livro O grande encontro e fundadora e presidente da Recomeçar – Associação de Mulheres Mastectomizadas de Brasília, que atua desde 2011 na formação de políticas públicas oncológicas

Alguns cuidados a mais

Independentemente do tamanho da área micropigmentada, é preciso ficar com um adesivo cirúrgico sobre ela por cinco dias para evitar o contato com água, suor, sol e mãos curiosas. “Esse último é o mais difícil de controlar, porque sempre ouço histórias de que a família inteira está esperando ansiosamente a mulher chegar em casa para ver o resultado da técnica. E como o efeito é muito natural e real, é automático querer tocar para tirar a prova de que realmente é um desenho”, esclarece a micropigmentadora Lu Zambrano.

Nos casos em que a cicatriz está alta, com volume, larga ou muito escura, é indicado primeiro tentar deixá-la mais discreta antes de pigmentar. Para isso, é feito um tratamento chamado micropuntura, em que se usa o dermógrafo, um aparelho que lembra uma caneta e tem agulhas na ponta, para dar várias picadas sobre as marcas e, assim, estimular o colágeno e a circulação sanguínea na região. O protocolo é fazer, no máximo, três sessões, com dois meses de intervalo entre elas, para, então, iniciar a micropigmentação, que depois de 30 a 60 dias é avaliada para que se verifique a necessidade de retocar ou reforçar a cor.

Tatuagem para complementar, ou não

A técnica é bastante usada para esconder as cicatrizes provocadas pela retirada de pele e musculatura das costas ou da barriga para complementar a reconstrução mamária. E também quando a pessoa opta por não fazer a restauração dos seios (ou não pode mesmo, por questões determinadas pelo médico). No entanto, vale saber que alguns médicos contraindicam a tatuagem pelo fato de se usarem nessa técnica pigmentos com metais pesados, que são essenciais para garantir a durabilidade do desenho, enquanto outros não veem problema nisso, desde que a pessoa já esteja totalmente recuperada do tratamento oncológico. Enfim, como os pigmentos – os usados na tatuagem ou na micropigmentação – têm autorização de uso pela ANVISA, a batida de martelo deve ser feita apenas depois de conversar com o médico, antes mesmo de procurar um tatuador.