O caminho do enfrentamento do câncer de mama é descrito por muitas mulheres como uma gigantesca onda emocional. Uma montanha-russa que vira a vida de ponta-cabeça — no início, durante e também depois do tratamento. Lidar da melhor forma possível com a doença, em todas as suas fases, ajuda efetivamente quem vive o câncer de mama a navegar por esse mar de emoções.

O tratamento oncológico traz muitos desafios. Não bastasse se deparar com a grande sombra chamada “medo da morte”, que afeta emocionalmente quem recebe o diagnóstico de câncer, o paciente tem de enfrentar o tsunami provocado pelo longo tratamento, que muitas vezes abala sua autoestima. Neste Guia “A Beleza da Vida — A autoestima da paciente oncológica”, vamos falar desse mar revolto que envolve vários desses aspectos, porque cada detalhe conta, na longa jornada do tratamento. Surgem receios mais concretos, mas não menos doloridos, como os da perda dos símbolos femininos — seios mutilados, queda dos cabelos, perda da libido, fertilidade ameaçada. Encarar cada passo é uma tarefa muitas vezes difícil e solitária, mas que, ao mesmo tempo, pode fazer nascer uma força, uma vontade de vencer, um espírito de luta e uma garra que ninguém imaginava ter.

Já é consenso entre os médicos que, quando a pessoa se cuida de modo integral (sem ficar focada “apenas” em lutar contra a doença), mais forças ela encontra para aderir ao tratamento. O resultado é menos sofrimento, melhor qualidade de vida e, sem dúvida, uma recuperação mais rápida.

“Quando estava no hospital, ainda grogue com a anestesia, deitada na cama, vi um teto branco e pensei: esse teto branco pode ser o teto da minha sepultura ou uma página em branco para eu reescrever minha história. E decidi: eu vou reescrever minha história”, lembra a pedagoga Marilena Garcia, 74 anos, que teve o primeiro diagnóstico há quase quatro décadas, quando os recursos eram muito mais restritos e as chances de cura bem menores. Mas a garra e a força emocional de Marilena ajudaram seu corpo a responder ao tratamento e a levaram a ficar bem viva e ativa até agora, depois de enfrentar mais três diagnósticos de câncer.

“Altos e baixos emocionais são naturais durante o tratamento e devem ser respeitados, afinal, o paciente tem todo o direito de ficar triste, de sentir raiva. Só é preciso ficar atento para que esse comportamento não se torne crônico e vire uma depressão difícil de tratar.”

Luciana Holtz, psico-oncologista e presidente do Instituto Oncoguia

Meu corpo, meus símbolos

O temor de perder a mama foi o que mais apavorou a atriz Dalva Sandes. “Eu estava com um grande medo da mutilação, de não ter mais a minha mama. Quando acordei da cirurgia, a primeira coisa que fiz foi olhar para meus seios”, revela Dalva. A advogada Juliana Fincatti Moreira recebeu o diagnóstico aos 25 anos, e ficava deprimida ao comparar sua imagem após o tratamento com a foto dela no porta-retratos, tirada quinze dias antes de iniciar a quimioterapia: “Engordei, mudou a textura e a cor do meu cabelo e até a cor dos meus olhos”, disse. Houve uma longa jornada até que Dalva e Juliana conseguissem lidar com todas as transformações físicas e reequilibrar suas emoções.

Para o médico Silvio Bromberg, da equipe de oncologia do Hospital Israelita Albert Einstein, as cicatrizes físicas podem produzir marcas profundas. “As mulheres com câncer de mama chegam ao consultório carregadas de culpa e medos. O médico, nessa hora, representa muito mais que um especialista, ele precisa ser também um guia para ajudá-la a sair dessa tempestade emocional. Nosso papel é ajudar a mulher a conseguir, por meio da cirurgia reparadora e do encaminhamento para outros tratamentos complementares, se olhar no espelho e gostar do resultado final para não ter medo de se expor e encarar a vida.”

“Somos muito mais que nossas mamas. Estimulo as pacientes a não ficarem focadas apenas na doença. Durante o tratamento, que é longo, desgastante, com altos e baixos, é importante que se procure viver a vida em sua plenitude. O que claramente percebemos é que a mulher que tem uma atitude positiva acaba apresentando melhores ferramentas de enfrentamento e fica mais disposta, mais feliz e com a imunidade em alta.”

Dra. Fabiana Baroni Makdissi, diretora do departamento de Mastologista do AC Camargo

Foco na autoestima

Dificuldades como depressão, negação, a imagem se transformando no espelho mostram que o cuidado multidisciplinar, incluindo o apoio psicológico, é essencial, mas nem sempre é bem aceito. “Ainda hoje muitas mulheres acreditam que o acompanhamento do psicólogo é desnecessário. O olhar desconfiado de algumas pacientes ao serem encaminhadas para este especialista revela o que elas pensam: “além do câncer, algo mais deve estar errado comigo”. Como se não fossem capazes de lidar com perdas, dores, medos e a solidão, pois muitas não recebem o apoio da família e dos amigos. E, realmente, nem sempre somos assim tão poderosas, e nem precisamos ser. Se permitir receber ajuda profissional pode fazer toda a diferença”, diz Fabiana Baroni Makdissi, diretora do departamento de Mastologista do Hospital A.C. Camargo.

Existem vários recursos para oferecer conforto emocional. “Além do espaço individual para ajudar com questões mais íntimas e pessoais, os grupos de apoio também são excelentes, pois elas podem se encontrar e compartilhar suas vivências”, diz a psico-oncologista Luciana Holtz, presidente do Instituto Oncoguia. Concorda com ela a psico-oncologista Marília Zendron, da Clinonco: “Acho fundamental estender o auxílio também aos familiares, porque muitas vezes eles têm mais dificuldade em aceitar a doença do que o próprio paciente, que, consequentemente, se sente pressionado a parecer bem para não causar sofrimento a quem ama”.

Enfim, na luta contra o câncer observar os aspectos emocionais é fundamental. “Cuidar da autoestima estimula a paciente a ficar bem, a gostar de se olhar no espelho novamente, a se amar”, diz a psico-oncologista Luciana Holtz. Esse olhar carinhoso, acolhedor e compreensivo para a mulher que está atravessando o mar de emoções ao enfrentar o câncer, vai agregar bem-estar e qualidade de vida e fará com que ela não desista do tratamento, nem em seus piores dias. É assim que ela ganha forças para seguir navegando e valorizando a beleza da vida.

“A mulher pode ser linda careca, sem sobrancelhas, sem cílios, sem peito. Mas, para isso, ela tem de se amar e se cuidar, seja usando maquiagem, como eu, fazendo ginástica ou o que quer que a faça se sentir bem e feliz. Porque aí a beleza verdadeira, que vem de dentro, vai transparecer e ela vai ter forças para continuar lutando contra o câncer.”

Carla Paes Leme, 44 anos, empresária, foi diagnosticada com câncer de mama em 2007 e hoje usa quimioterapia oral para a metástase